Filme “Bandeiras de nossos pais” e “Cartas de Iwo Jima”

Bandeiras de nossos pais


Grande filme na praça: Flags of Our Fathers, dirigido pelo mestre Clint Eastwood. Na Argentina, chamou-se La Conquista del Honor, ignoro o título que terá no Brasil. É uma narrativa estupenda sobre o sentimento conhecido como "culpa de sobrevivente" e uma análise de como a opiniäo pública é manipulada em tempos de guerra.

"Uma foto pode ganhar ou perder uma guerra", diz um dos personagens. "Bandeiras" é a história de uma das imagens mais famosas da Segunda Guerra Mundial: o retrato de um grupo de fuzileiros navais erguendo uma bandeira dos EUA na ilha de Iwo Jima, palco de uma das batalhas mais sangrentas no conflito contra o Japäo. Cerca de 50 mil soldados morreram ali.

O filme conta como os soldados sobreviventes da foto foram utilizados pelo governo dos EUA numa missäo de relaçöes públicas para fazer a populaçäo comprar bönus de guerra que ajudassem a financiar a participaçäo americana no conflito. Mas os soldados sofrem sentindo-se culpados de estar vivos quando tantos dos seus companheiros morreram em Iwo Jima, e sentindo-se indignos de representar o papel de heróis em ocasiöes um tanto ridículas. A ënfase é maior para o soldado Ira Heyes, um índio que sofreu com racismo e alcoolismo na sua volta aos EUA, sem conseguir adaptar-se.

O roteiro é baseado no livro escrito pelo filho de um dos sobreviventes, que pesquisou a história depois da morte do pai - que nunca conversou com o filho sobre o episódio da bandeira. O livro virou best seller nos EUA e é crueldade da traduçäo omitir a relaçäo pai-filho do título.

A produçäo de Flags é dividida entre Steven Spielberg e Clint Eastwood. O primeiro havia comprado os direitos para adaptar o livro, mas foi convencido por amigos a deixar Eastwood dirigi-la. O velho cowboy dá um show e mostra que é um dos melhores cineastas em atividade atualmente, se é que alguém tinha dúvidas. Faz um filme de heroísmo contido, em que honra e glória säo sentimentos que se calam. Sem sentimentalismo. Spielberg teria feito uma lambança, cheia de hinos melodramáticos e música em alto volume.

Eastwood foi além e dirigiu também "Cartas de Iwo Jima", sobre o ponto de vista japonës no conflito. Estréia na Argentina daqui a trës semanas, estou louco para ver.

Cartas de Iwo Jima

Filmes de guerra não são os meus favoritos por vários motivos. Mesmo assim, depois de ouvir extensas recomendações, resolvi me aventurar por esses dois títulos paralelos (Flags of Our Fathers [A conquista da Honra ou As bandeiras de nossos pais(pt)] e Letters From Iwo Jima [ Cartas de Iwo Jima] por alguns motivos: gostei do último filme que vi de Clint Eastwood (Gran Torino), os filmes preservam os idiomas originais e contam histórias paralelas sobre o "outro lado". Cheio de expectativa e coragem, respirei fundo e comecei a assisti-los.

Flags of our fathers não é exatamente um filme de guerra, o que transformou minhas opiniões pré-concebidas. É um drama que se passa no período da segunda guerra mundial e explora um acontecimento "patriótico" e se propõe a discutir o que foi o esforço de guerra e o que é "lutar pelos interesses da nação" de uma forma única. Claro que para chegar lá há diversas cenas de combate, muita gente morta, mutilada, assassinada, bombas, sujeira, gritaria e etc. mas, felizmente, esse não é o foco da história. Partindo de fatos reais a narrativa nos cerca de questionamentos que mostram todas as engrenagens de construir um herói naquele contexto.

O filme possui uma agenda bem explícita, então não é possível acusá-lo de ser imparcial ou algo do tipo. Nesse delicado equilíbrio de contar uma história real nas lentes do cinema sabe-se que aquilo não é uma tentativa de narrar a realidade mas de estetizar um momento estetizado da guerra. Nesse aspecto o filme ganha diversos pontos positivos mas fica claro que o que tenta suscitar é um questionamento das guerras no Afeganistão e Iraque.

Porém se a história se limitasse a esse tema teríamos um filme bem menos complexo e desinteressante. Usando a técnica do flashback somos levados a contrastar todas essas críticas com a situação desoladora dos jovens soldados que largavam suas vidas para trás para combater um inimigo do outro lado do mundo. Suas lutas, "sacrifícios (depois da explicação que ouvi do Padre Fábio de Melo sobre essa palavra tenho que usá-la entre aspas)" e esforços são apresentados como coerentes apenas dentro de um pequeno grupo de pessoas, que se tornam amigos e companheiros por ocasião. Este ponto é, talvez, a maior conquista da história: provar que, na guerra, as pessoas não se dispõe a fazer o que fizeram apenas pelos ideiais de guerra, de nação ou cidadania mas também - e arrisco a dizer principalmente, concordando com a visão apresentada - pelas amizades que fizeram, pelo sentimento de unidade que tinham um em relação ao outro. Mesmo permeadas pelo sistema hierárquico do exército, essas relações e laços são mais relevantes para o esforço de guerra, que transforma jovens comuns em heróis da pátria.

A montagem do filme tem um ritmo que funciona para seus propósitos. As atuações não são das melhores mas também não estragam o filme. Vários coadjuvantes merecem destaque, já que em uma guerra temos muitas pessoas envolvidas, muita gente morrendo, muitos militares, governantes, esposas, famílias, público, inimigos, etc. Talvez o destaque fique com Adam Beach, que interpreta um grande esteriótipo da cultura norte-americana (sim, inclui o México também) de forma muito talentosa, permitindo que o público se relacione afetivamente com sua personagem. Ryan Phillippe e Jesse Bradford, que completam o trio central da história tambem fazem seu trabalho mas não ultrapassam muitas fronteiras.


A direção de arte é bem competente, especialmente nas cenas em que os heróis voltam aos Estados Unidos e tem que lidar com a promoção do esforço de guerra. Como não sou perito em cultura bélica, não saberia dizer se as cenas de guerra foram bem representadas ou historicamente acuradas mas são bem convincentes. A fotografia não é muito ousada mas faz seu trabalho com competência. A trilha sonora não é das melhores nem das mais impressionantes mas já virou uma marca registrada dos filmes deste diretor (aquelas notas de piano que parecem quase perdidas mas descrevem simples melodias). Iluminação, som e efeitos especiais são muito bons (é possível ouvir tudo o que eles falam o tempo inteiro). Um bom dinheiro deve ter sido gasto para fazer tudo funcionar.

Isso nos leva ao segundo filme, que se utiliza dessa mesma infra-estrutua para contar uma história radicamente diferente, com uma estrutura própria, que se passa parcialmente no mesmo lugar. Letters From Iwo Jima pode sim ser chamado de um filme de guerra pois foca-se inteiramente nos combates entre as tropas imperiais do Japão e o exército dos Estados Unidos. Falado quase que inteiramente em japonês, esse filme deve ter sido uma experiência bem complexa para o diretor. O resultado, novamente, é surpreendente no bom sentido.

Essa história toma como ponto de enlace com @s espectadores uma personagem central bastante carismática: um jovem padeiro que é enviado para o campo de batalha e que deixou para trás sua mulher e uma criança nascida a pouco. Através dos olhos dele acompanhamos boa parte dos principais momentos da tomada desta ilha pelos "inimigos". Mais uma vez, se esse fosse todo o filme, teríamos uma história que poderia ser interpretada por Colin Farrell e Bruce Willis (alguém se lembra do horroroso Hart's War [A guerra de Hart, 2002]) porém um dos grandes créditos é que o modo de vida japonês mescla-se indelevelmente com a estrutura hierárquica do exército e isso, por si só valeria o filme. O senso de obediência, de respeito e de amor à pátria imperial são apresentados com uma sutileza e precisão impressionantes, dando margem a todos os conflitos que podem surgir.



Posso apenas adiantar que este filme mostra como as pessoas lidam com situações extremas não como soldados - o que vimos no filme anterior - mas como um pedaço do corpo da nação que precisa ser exposto ao ataque, à violência e à morte em nome das intenções soberanas de outras partes do corpo. De alguma forma o filme consegue apresentar um sentimento diferente de patriotismo mas que se relaciona com a mesma intensidade com a pátria, com a terra natal. Talvez seja pelo fato dessa guerra ser travada em solo japonês ou talvez pelos vínculos afetivos daqueles que sabiam que perder essa ilha seria dar ao inimigo uma base permanente para realizar um massacre no arquipélago japonês. De qualquer forma, a história funciona no sentido de mostrar mais que desespero e desolação: ele representa uma situação limite na qual a palavra sacrifício toma outras proporções, não entendidas exatamente por mim ou por outras pessoas que nunca vivenciaram uma guerra.

Ao contrário do outro título, esse tem alguns problemas no ritmo. Em certo momento, quando você acha que o filme está para revelar seus "finalmentes", percebemos que mal passamos da metade do filme. Talvez uma edição mais ágil poderia resolver essa questão que não chega a incomodar mas é perceptível. A narrativa também utiliza-se dos flashbacks mas sem o mesmo efeito causado pelo primeiro filme. Na verdade o ponto de início e o ponto final do filme parecem ser apenas um pretexto para contar aquelas histórias que veremos, sem uma relação muito equilibrada. Talbém é preciso dizer que o filme é mais dramático que o primeiro título e utiliza-se de diversas digressões subjetivas para fazer a audiência ter empatia por aqueles homens.

Os aspectos técnicos novamente merecem respeito. As atuações são acima da média nesse filme. Quem já conviveu com nipônicos e nipodescendentes vai reconhecer imediatamente certos aspectos culturais bem relevantes que são transmitidos na atuação. Desde impostação de voz até forma de trabalhar as feições do rosto. Tudo funciona muito bem pois o diretor trabalhou com atores nativos e os permitiu contar essa história em japonês. Destaques para o protagonista, Kazunari Ninomiya, para Ken Watanabe e para Takashi Yamaguchi, que realmente atuam muito bem e adicionam credibilidade à história.

Depois de falar sobre os dois filmes podemos falar deles em conjunto e da direção. Clint Eastwood me convenceu com esses dois filmes. Realmente ele fez um trabalho muito competente ao mostrar dois lados de um conflito que colocam pessoas absolutamente díspares em combate em nome de interesses alheios. Em vez de fazer um filme patriótico ele resolveu fazer dois filmes que criticam a idéia de guerra fugindo do senso comum dos pacifistas irritantes de classe média. Ele conseguiu transmitir suas intenções e revelar sua agenda sem desmerecer as pessoas que banharam o chão da ilha de Iwo Jima de sangue, sem desrespeitar nenhum dos lados.


Também, com essas produções, Eastwood mostrou ser capaz de fazer de um exercício de direção uma experiência agradável para o público. É possível perceber que ele se importa com a audiência e faz filmes que são pensados para serem vistos por outros, não apenas em serem executados. Sei que esse argumento é um tanto quanto estranho mas, acreditem em mim, realmente faz toda a diferença. É preciso salientar que tratam-se de dois filmes complexos que são complementares entre si, o que faz destes dois uma obra sólida sobre o que é estar em guerra.

Certamente recomendo este filme para todas as pessoas que gostam de dramas mas preparem-se para muita violência, que é bem característica a esses contextos, infelizmente. Se possível, assita aos dois filmes antes de começar a pensar demais sobre eles. Garanto que será um privilégio.